O que se pode esperar da véspera de Corpus Christi?

Nesta quarta-feira (2), o Livro Bege do Federal Reserve (Fed) preenche a agenda na expectativa dos dados de empregos (payroll) a serem divulgados na sexta-feira (4).

Os participantes do mercado estão olhando para os dados de atividade dos EUA para sensibilizar seus modelos sobre o que é uma grande potência reabrindo sua economia.

Comentários de autoridades do Fed sobre a inflação, uma preocupação que paira sobre os mercados à medida que as economias recuperam o ímpeto com o lançamento de vacinas contra o coronavírus, especialmente nos Estados Unidos, marcam sua presença no dia, que deverá ter volatilidade.

As ações europeias abrem o dia em alta, depois de terem lutado por ganhos na terça-feira (1º), com as empresas de energia subindo diante dos preços do petróleo oscilando em máximas de dois anos.

Os futuros de ações dos EUA estão entre a estabilidade e a cautela.

Depois dos bons dados de PIB de ontem, o Brasil pode optar por realizar um pouco dos lucros, uma vez que feriados geralmente trazem cautela e amanhã (quinta-feira, 3) é o feriado de Corpus Christi. A ver…

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O Ibovespa bateu recorde ontem (1º), acima dos 128 mil pontos, em sua terceira renovação de recorde histórico em seu fechamento e quinta alta consecutiva.

O otimismo também se reflete no dólar, que já se encontra em patamares inferiores aos de R$ 5,15.

A diluição dos riscos, ainda que sigam existindo, pela percepção de que o ciclo de recuperação brasileira é melhor do que o esperado tem engajado os investidores.

Entre os riscos, ainda vale mencionar a crise hídrica, a possibilidade de falta de energia e eventuais pressões políticas (2022 é ano de eleição).

A surpresa positiva ficou a cargo do PIB, que cresceu 1,2% ante o trimestre anterior e recuperou o patamar de produto interno bruto pré-pandêmico – ainda estamos mais de 3% abaixo do recorde de PIB registrado no primeiro trimestre de 2014.

É claro que tamanha euforia pode ser testada, em especial em véspera de feriado como hoje – sempre olhe para os dois lados antes de atravessar (o otimismo parece estar voltando e, com ele, o apetite por risco).

O destaque do dia, que deverá ser acompanhado com muita atenção, é o da produção industrial. Dados melhores do que o esperado podem dar suporte positivo.

O Livro Bege é bege?

Depois do retorno do feriado do Memorial Day com resultado próximo da estabilidade para os ativos de risco, voltamos a ver a alta das Treasuries de dez anos para cima dos 1,60%, o que pressiona teses de crescimento.

A espera pelos dados de emprego (payroll) de sexta-feira (4) é grande.

Os investidores terão que se contentar com o relatório periódico do Fed, o Livro Bege, para suprir suas perspectivas para a inflação – todos esperam ver mais sinais para a realização do “tapering” (a redução do processo de compra de ativos).

Assim, a inflação continua em foco.

O documento de hoje será examinado em busca de qualquer indício de pressão de preços pelo mercado, que está ansioso para ver sinais de superaquecimento e hiperinflação (não, a inflação de agora não é estrutural).

Até este momento, a maioria das empresas parece relutante em aumentar os preços de forma agressiva, especialmente aquelas que estão voltadas para o consumidor.

A preocupação é que a recuperação global possa ser prejudicada se governos e bancos centrais retirarem os estímulos para combater a alta dos preços.

Sinais de crescimento

Assim como no Brasil, o crescimento australiano excedeu seu pico pré-pandemia.

Com o comércio global e a manufatura já acima dos níveis anteriores, os economistas começam a prever com maior assertividade quando a atividade ultrapassará a tendência do PIB pré-pandemia, de modo a entregar o crescimento que deveria ter ocorrido em 2020.

Duas contas nascem disso: i) quando isso acontecerá; e ii) quanto tempo durará.

As economias estão se recuperando rapidamente dos danos e interrupções causados pela pandemia.

A velocidade da recuperação tem pouca semelhança com as de crises anteriores, o que deve dar alguma esperança de que haverá menos cicatrizes econômicas.

O processo tende a ser mais lento nos locais onde os programas de vacinação têm atrasado, embora estejam começando a ganhar velocidade, mesmo com muitos países lutando contra graves surtos do novo coronavírus.

Agenda

Na agenda local, o dia começa com dados de inflação do IPC-Fipe (São Paulo) de maio, que deverá subir 0,41% na comparação mensal (ante abril).

O IPC-S Capitais (Índice de Preços ao Consumidor Semanal das sete principais capitais do Brasil) de maio também é esperado, mas acaba sendo secundário diante da entrega da produção industrial de abril, na qual se espera queda de 0,20% contra o período imediatamente anterior.

Continuidade da CPI da Covid e fala de Roberto Campos Neto, enquanto nos aproximamos do próximo Copom, têm espaço na agenda.

Lá fora, por sua vez, começamos com a reunião do comitê do Banco Central Europeu (BCE) em evento na Suíça, bem como a participação de autoridades do FMI.

Novas perspectivas econômicas e abordagens para a inflação podem ser destaque.

A Zona do Euro começa com os preços ao produtor de maio (importante para este momento de recuperação), enquanto os EUA têm agenda esvaziada, apenas no aguardo do Livro Bege.

Muda o que na minha vida?

Ontem (1º), os preços de referência para o petróleo dos EUA (WTI) e do mundo (Brent) se estabeleceram nos níveis mais altos em mais de dois anos (Brent acima de US$ 70/barril), principalmente depois que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (Opep+) concordaram em manter um plano para aumentar gradualmente a produção de petróleo até julho.

A inflação derivada desse aumento de preços repentino não é algo com que estamos acostumados.

Curiosamente, depois do Plano Real no Brasil e considerando as últimas décadas de baixa inflação nos EUA, já temos gerações de pessoas que não sabem como funciona uma sociedade sob inflação.

Nos EUA, inclusive, é provável que os americanos com memórias de alta inflação de verdade e de seus efeitos nas finanças domésticas sejam aqueles com mais de 60 anos – por lá, a inflação atingiu um pico de 14,7% em março e abril de 1980, com a economia passando por “estagflação”, um cenário de pesadelo caracterizado por crescimento fraco e preços em alta.

À época, o Fed finalmente conseguiu controlar a inflação quando seu então presidente Paul Volcker restringiu a oferta de moeda e elevou as taxas de juros (as taxas das hipotecas convencionais de 30 anos atingiram o pico de 18,45%).

Controlar a inflação costuma ser sempre mais difícil do que parece. Os efeitos das medidas monetárias em geral demoram mais do que o esperado para surtir efeitos, o que, em um ambiente de pressão, costuma ser ainda menos encorajador.

No Brasil, por sua vez, muitos investidores são jovens demais para se lembrarem dos maus velhos tempos da inflação galopante – alguns sequer tinham nascido.

De todo o modo, a falta de familiaridade não impediu que os temores de inflação dominassem o mercado nos últimos meses, no Brasil (processo de normalização dos juros) e nos EUA.

A preocupação é a de que bancos centrais respondam ao aumento dos preços, provocado entre outras coisas pela reabertura da economia e pela elevação dos preços das commodities, aumentando as taxas de juros e retirando os estímulos antes do esperado.

A grande questão é se a inflação será passageira ou não. O custo de tudo o que é necessário (commodities) para o boom de infraestrutura pós-pandemia dos EUA e da China está aumentando.

O preço do petróleo é só mais um exemplo disso.

Sim, teremos preços mais altos do que nas últimas décadas, mas isso não significa inflação estrutural ou fora do controle. Ao longo dos próximos 12 meses, tal temor deverá se arrefecer.