Inflação nos EUA? O que interfere aqui no Brasil? Muita coisa…

A inflação dos Estados Unidos podem custar caro para os brasileiros, seja pelo impacto no mercado financeiro, seja por avarias acentuadas nas contas públicas.

Assim que a volatilidade do dólar passar e a economia americana se estabilizar. pode não ocorrer o mesmo no Brasil.

Os investimentos trilionários em infraestrutura da Casa Branca tendem a beneficiar, por longos oito anos, as vendedoras de commodities. Mas um país, como se sabe, não se faz apenas vendendo minério de ferro e aço.

  • A notícia de que a inflação nos Estados Unidos está correndo acima do que se pensava acendeu “não uma luz amarela, mas laranja” nos radares de Alexandre Espirito Santo, professor do IBMEC-RJ e economista-chefe da Órama.

“Essa questão é mais grave do que a maior parte das pessoas pensa e o próprio Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem considerado. Seria uma das grandes surpresas da minha vida as políticas fiscal [gastos trilionários de governo] e monetárias ultra-mega-power-expansionistas praticada nos Estados Unidos não resultarem em inflação alta“, diz.

Desde março de 2020, quando começou a surra de estímulos do Fed, Espirito Santo, com suas três décadas de atuação e o livro-texto da economia clássica debaixo do braço, atenta para a bomba inflacionária em formação nos Estados Unidos. E para uma agulha nas mãos da autoridade monetária local pronta para estourar a bolha que criou nas bolsas de Nova York, inflada a partir das gigantes de tecnologia. Bastando, para isso, começar a tirar o time de campo.

Espirito Santo baseia a tese em uma bolha anterior, a da “ponto-com”. Foi quando, nos últimos anos do século passado, ações de empresas de tecnologia foram alçadas ao alto no lastro da internet ganhando escala. E depois, boa parte delas derreteu na virada para este milênio.

Quando olho para os gráficos, me assusto. A distancia entre as cotação atuais em Nova York para a média dos últimos cinco anos é a segunda maior da históriaPerde apenas para a bolha da internet“, diz.

O tamanho do estrago feito quando a bolha estourar depende de como o Fed reagirá pelos próximos meses. “Se tiver de andar mais rápido do que desejava com o fim dos estímulos, teremos juros de 10 anos nos Estados Unidos subindo dos atuais 1,7% para 2%, rivalizando com os dividendos pagos na bolsa e, consequentemente, forçando uma rápida realização”, diz.

Esse eventual estourar violento da bolha prevista pelo economista, sem que murche paulatinamente, teria forte efeito nos mercados acionários mais arriscados do mundo. Tão forte quanto forem os riscos oferecidos pelos países. Tcharam! Eis o Brasil.

Se ações despencando por aqui com a fuga de estrangeiros, não vai dar para colocar tudo na conta do Fed.

“Será por não ter sido feito por aqui o dever de casa”, diz o economista. “O que é o dever de casa? As reformas de que não aguentamos mais falar, mas que não saem do papel”. De acordo com ele, por sinal, os bons ventos recentes na bolsa e no câmbio em nada tem a ver com melhoras de fundamentos nacionais. E, sim, com o apetite no exterior, aguçado pelo rali das commodities.

“Seria muito melhor que pudéssemos comemorar por feitos nossos essa queda recente do dólar, por exemplo, mas não foi o caso. E, por isso, talvez ela não se sustente por muito tempo”, diz. “Tem ainda questão política. Reformas como a tributária já são difíceis de serem aprovadas por si só, e a CPI da covid, em curso por 90 dias, atrapalha ainda mais.”

  • Já Alfredo Menezes, sócio-fundador da Armor Capital, comunga da visão de que a reação dos mercados à alta de custo de vida dos americanos tem sido tão exagerada quanto o dado em si. Ainda que entre os componentes do índice tenha surpreendido o aquecimento da compra de veículos, o diretor de investimentos da casa pondera sobre o rali intenso das commodities nesse ano, em especial, metálicas e agrícolas.

“Não só nos Estados Unidos, altas como a do minério, de 50% neste ano, e da soja, de 40% até aqui, puxam para cima o custo de vida no mundo todo”, diz. “E isso deve ser diluído ao longo do tempo. Entendo que o ritmo da inflação americana não deve mudar os planos do Fed de deixar para perto da virada de 2022 para 2023 o começo do ajuste monetário.”

O que não significa que, mesmo que aconteça tardiamente, esse processo não seja motivo de preocupação para Menezes.

Em linha de raciocínio semelhante à de Espirito Santo, traz apreensão a Menezes pensar em que condições fiscais o Brasil receberá a alta de juros americana. No mundo todo, e aqui não será diferente, países tendem a subir seus juros em linha com os do Fed, evitando a ampliação do diferencial de rendimentos oferecidos, de forma a segurar dólares. Mas com situação fiscal ainda mais complicada que a dos pares emergentes, que ficaria ainda mais severa com o encarecimento da dívida pública sob uma Selic em busca de degraus mais altos.

“O curto prazo externo favorece o Brasil, a balança comercial brasileira vai surpreender, potencialmente trazendo um crescimento acima do que tem sido previsto à economia pela média do mercado”, diz. Isso não por méritos brasileiros. O que, diz Menezes, pode cobrar seu preço na hora em que juros nos Estados Unidos e demais grandes economias passarem a induzir taxas também maiores por aqui.

“Acredito que alguma coisa ou outra possa ser aprovada da reforma tributária ou administrativa neste ano, mas nada que chegue a dar maior sustentabilidade à divida federal ou trazer grandes ganhos de produtividade”, diz. “No próximo ano, com corrida eleitoral, não sai nada.”

Mas a bolsa tem subido e o dólar caído nas últimas semanas? De novo, são as mãos do exterior agindo.

Ele ressalta que, não fossem as vendedoras de matéria-prima, a foto do mercado brasileiro seria bem diferente. “O melhor termômetro para medir a desconfiança do mercado em relação ao Brasil é a curva de juros, que mesmo com o Banco Central subindo a Selic não tem reduzido sensivelmente a sua inclinação”, diz. “O mercado não se sente confortável.”

  • O desconforto, bem possivelmente, seria menor não tivesse a CPI da covid. Enquanto o mercado balança de olho nos Estados Unidos, o governo vai tentando se defender das pancadas que está levando.

Por exemplo, em vez se dedicar a fazer a agenda econômica, Bolsonaro foi para Maceió tentar se defender de algumas delas. E não foi sozinhoEsteve ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira, que é quem na prática poderia juntar os lés com crés das reformas no Congresso.

Resumão da pior ópera possível ao Brasil quando os juros americanos subirem:

  • O preço do dólar tende a ser puxado para cima sempre que alguma incerteza pinta pela frente. O investidor tende a correr atrás dele nessas situações, seja para ter uma reserva de valor numa moeda forte, seja para ela depois ser trocada por investimentos no exterior, numa economia mais segura;
  • Além disso, não é desprezível a pressão de alta na bolsa brasileira recentemente via estrangeiros. Que tendem a fugir dos mercados mais arriscados quando o bicho pega. E entre os principais emergentes, o Brasil lidera a sensação de risco, entre outros poréns, por causa das contas públicas a perigo. Portanto, fortes realizações, e quedas na bolsa, podem pintar pela frente, caso os juros americanos subirem abruptamente;
  • E mais: os juros aqui no Brasil, que já estão em alta, tendem a subir ainda mais para acompanhar esse ritmo. Seria uma forma de tentar diminuir o diferencial em relação aos Estados Unidos. E, assim, segurar também a inflação brasileira. Como? Contendo a eventual fuga e, consequentemente, alta do preço do dólar
  • O que, por sua vez, traria um outro problema. Se os juros aqui no Brasil subirem muito, a divida federal ficaria ainda mais cara de ser paga. O que, por si só e sem reformas feitas no meio do caminho, afastaria o capital estrangeiro. Logo, de nada poderia adiantar os juros subirem para segurar o preço do dólar. Dada a fraqueza das contas públicas, aconteceria na política monetária o que os economistas chamam de “dominância fiscal”. É um caso extremo? É. Mas nada fora das possibilidades.